quinta-feira, 8 de julho de 2010

A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO, AS IGREJAS e O PODER NA AMÉRICA LATINA...

A teologia da libertação, as igrejas e o poder na America latina.

Vendo a “alienação política” a que chegamos, pelo menos no Brasil de hoje, sinto saudades dos tempos em que a tão poderosa igreja católica (junto com alguns seguimentos protestantes) , eram engajados na America latina, nas questões sociais e políticas. Nesse período, a preocupação principal dos teólogos engajados era libertar o povo pobre e oprimido da secular exploração, dando-lhes a principal ferramenta para se libertar desse domínio que é a conscientização.
Pena que eu ainda era muito novo no final dos anos setenta e começo dos oitenta para compreender a extensão desse magnífico trabalho iniciado por grandes nomes como Paulo Freire e Leonardo Boff e empreendido por muitos intelectuais que acharam que a situação poderia mudar se dessem vez e voz aos trabalhadores, as donas de casa e a todos aqueles quisessem buscar o seu espaço em uma sociedade que então se fortalecia com o começo da abertura política.
Essa mesma sociedade, entretanto, permanecia muito injusta e os políticos no poder eram apenas um reflexo dela representando, como sempre, os interesses dos bem nascidos. Dessa forma, uma mudança radical se fazia necessária para contemplar os mais diversos segmentos sociais que necessitavam de representação política.
Com a abertura política no Brasil, vislumbrava-se a possibilidade de que esses segmentos sociais historicamente alijados do poder pudessem finalmente ter a sua chance de ser representados na política para que o país se tornasse uma democracia de fato. Caso isso não acontecesse continuaríamos com as seculares desigualdades que infelizmente é uma marca da nossa sociedade herdeira do escravismo, do latifúndio etc.
Leonardo Boff, Paulo Freire e os muitos intelectuais que aspiravam uma sociedade mais justa não encontraram um espaço mais adequado para discutir as questões sociais e políticas. As igrejas talvez fossem o lugar mais seguro, pois, a partir de 1964, os militares tomaram o poder no Brasil e não admitiam nenhum tipo de reivindicação ou contestação. Na America latina também sucediam os golpes militares nesse período.
Enfim, buscava-se apenas fugir ao controle de governos que se impunham pela força e perseguiam sistematicamente qualquer tipo de manifestação de cunho político ou ideológico. Paulo Freire fora taxado de subversivo por ter como meta não apenas a alfabetização dos trabalhadores, mas também a sua conscientização.
Em suma, as igrejas tornam-se um rico espaço de debates políticos e sociais e servem de laboratórios para o surgimento de grandes lideranças políticas surgidas não apenas entre os intelectuais, mas entre os trabalhadores também. Eram os espaços onde se poderia gestar uma sociedade verdadeiramente democrática.
Acredito que talvez esses tenham sido espaços privilegiados onde, na efervescência dos fins dos anos setenta, no caso brasileiro, discutia-se a criação de um partido só para os trabalhadores. Não há como negar a importância desses espaços nos debates políticos nacionais.
Entretanto, quando falamos da igreja católica no Brasil, não podemos deixar de lembrar que ela está subordinada à sua matriz romana e como tal deve seguir as recomendações vindas de lá. Cedo ou tarde, esses “teólogos subversivos” teriam que prestar contas a Roma, explicando o porque desse interesse contínuo pelas causas dos menos favorecidos.
Não podemos deixar de lembrar que alguns seguimentos protestantes também faziam parte desse “movimento de libertação dos pobres” e igualmente que os conservadores protestantes, por seu turno, também voltar-se-iam contra o perigo que poderia representar essa conscientização dos menos favorecidos.
Isso também não era interessante para a igreja católica como instituição, pois todas essas coisas poderiam gerar insatisfações nas camadas mais privilegiadas da população e talvez não fosse bom para a igreja dar apoio a causas contrárias a sua postura que quase sempre foi conservadora.
Enfim, por causa dessa ousadia de querer dar voz aos pobres, Leonardo Boff, fundador e principal representante da teologia da libertação foi perseguido e “julgado pelo vaticano” sem direito de defesa. Segundo o próprio Leonardo Boff, em uma entrevista, tal perseguição começou em 1982 quando ele escreveu o livro Igreja: carisma e poder, no qual aplicava as intuições da teologia da libertação às condições internas da Igreja. No livro, ele denunciava a opressão da mulher, o atropelo dos direitos humanos, a concentração de poder nas mãos do clero e o controle severo das doutrinas.
“A teologia da libertação é um movimento teológico que quer mostrar aos cristãos que a fé deve ser vivida numa práxis libertadora e que ela pode contribuir para tornar esta práxis mais autenticamente libertadora (MONDIN, 1980, p. 25). Neste sentido, o cristão é impelido a viver a práxis libertadora nas diversas épocas da história.”
O termo libertação foi cunhado a partir da realidade cultural, social, econômica e política sob a qual se encontrava a América Latina, a partir das décadas de 60/70 do último século. Os teólogos deste período, católicos e protestantes, assumiram a libertação como paradigma de todo fazer teológico.
De acordo com mesmo autor citado acima, O marxismo passa a ser a filosofia predominante na análise sócio–analítica feita pela teologia da libertação. Porém, o marxismo é utilizado como instrumento, não tendo fim em si mesmo. “Na teologia da libertação o marxismo nunca é tratado em si mesmo, mas sempre a partir, e em função dos pobres” (Ibidem, p. 45). O sentido último da teologia não é Marx, mas Deus.

O argumento de que o marxismo tomara conta da igreja era o que faltava para que os conservadores entrassem em cena para acabar com essa farra dos pobres que queriam apenas participação política, isto é, ansiavam pela democracia em seus países. Na America latina, entretanto, predominavam regimes autoritários e tais aspirações dificilmente seriam realizáveis em tais regimes.

Enfim, voltando a Leonardo Boff: ele recebeu um processo judicial junto à ex-Inquisição presidida pelo Cardeal J. Ratzinger ( futuro Bento XVI) em 1984 e sentou na mesma cadeira onde sentou Galileu Galilei e Giordano Bruno e durante três horas foi interrogado pelo Cardeal. Depois foi punido, pois lhe impuseram o silêncio obsequioso, uma espécie de silêncio penitencial, foi deposto da cátedra de teologia sistemática e ecumênica e proibido de escrever e publicar.
O próprio J. Ratzinger já havia condenado a teologia da libertação em artigo falando sobre o assunto. Para ele, essa nova corrente teológica tinha o seguinte significado:
“A libertação, para a teologia da libertação, é conquistada pela via política, e não pela Redenção de Jesus, o "Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (Jo1,29). Jesus veio para "salvar o seu povo dos seus pecados" (Mt 1,21), e disse a Pilatos que “o seu Reino não é deste mundo”. O pecado, para a teologia da libertação, se resume quase que só no "pecado social", mas este, não será "arrancado" com a conversão e com os Sacramentos da Igreja, mas com a “libertação” do povo, pela luta política. Daí o fato de haver um laxismo moral e espiritual em muitos adeptos dessa teologia. Muitos não valorizam a celebração da Missa, a não ser como uma "celebração de mobilização política" do povo oprimido. Não se valoriza suficientemente a oração, a Confissão, a Eucaristia, o santo Rosário, a adoração ao Santíssimo Sacramento, e a todas as práticas de espiritualidade tradicionais, que são, então, consideradas superadas e até alienantes.”
Em resumo, o argumento dos conservadores, tanto católicos quanto protestantes, era a defesa das ritos e cultos tradicionais que estariam sendo subvertidos por essa nova corrente teológica. Não haveriam outros interesses que não fossem os estritamente religiosos.
Entretanto, quer direta ou indiretamente, a defesa dos privilégios dos bem nascidos e até então donos do poder não pode ser descartada, levando-se em conta os posicionamentos que quase sempre são assumidos historicamente no caso da igreja católica. É notória a sua defesa do status quo dos ricos e, acredito eu, não seria dessa vez que assumiria um posicionamento diferente.
Nesse caso, o discurso da igreja e dos protestantes veio bem a calhar para todos aqueles que nunca aceitaram e não aceitam em hipótese alguma dividir um pouco do muito que têm com uma polução de milhões de famintos. Essa população tendo representantes no poder significaria uma ameaça aos muitos privilégios desses eternos donos do poder na America latina e tal mudança na situação vigente não poderia interessar a elite que foi beneficiada, talvez não por acaso, pelo discurso conservador dos religiosos. E a posição dos conservadores, como quase sempre acontece, acabou prevalecendo.

Francisco Lima